A alegação de que “não há possibilidade de reanálise” para o atributo Peso de Mil Sementes, levanta sérias questões jurídicas à luz dos princípios constitucionais que asseguram o direito à ampla defesa e ao contraditório em processos administrativos. Este tema se revela especialmente importante para o setor de sementes, onde a fiscalização de atributos técnicos pode impactar diretamente a qualidade do produto e a viabilidade comercial dos lotes fiscalizados.
O Peso de Mil Sementes: Um Parâmetro Crucial
O Peso de Mil Sementes (PMS) é um parâmetro amplamente utilizado para avaliar a uniformidade e qualidade de lotes de sementes. Ele influencia tanto a semeadura quanto a produtividade final, sendo um indicador relevante no processo de comercialização de sementes. Por esse motivo, uma avaliação correta desse atributo é crucial para produtores, comerciantes e agricultores que dependem da precisão dessas medições.
A Portaria MAPA nº 538/2022, em seu artigo 112, estabelece uma tolerância de 20% para variações no Peso de Mil Sementes em relação à garantia fornecida pelo produtor, no caso de sementes revestidas. O ponto de maior controvérsia surge da interpretação de que, para esse atributo, não haveria possibilidade de reanálise. Essa posição administrativa, no entanto, exige uma leitura mais cuidadosa à luz dos direitos fundamentais aplicáveis aos processos administrativos.
O Direito à Ampla Defesa e ao Contraditório nos Processos Administrativos
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LV, é clara ao garantir que todos os litigantes, em processos judiciais ou administrativos, têm o direito ao contraditório e à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Isso significa que, mesmo em processos que envolvem a fiscalização de sementes — como no caso da análise do Peso de Mil Sementes —, a parte interessada tem o direito de produzir provas e contestar os resultados apresentados pela autoridade fiscalizadora.
Negar a possibilidade de reanálise do PMS implica um sério cerceamento de defesa. A empresa fiscalizada, em um processo administrativo, tem o direito de questionar e verificar tecnicamente os resultados obtidos em uma análise de fiscalização. Impedir a reanálise impede que a empresa se defenda adequadamente, criando um desequilíbrio entre as partes e comprometendo a transparência do processo.
A Importância da Reanálise para Garantir a Justiça do Processo
A reanálise de um atributo como o Peso de Mil Sementes não é apenas uma etapa técnica: é uma garantia processual. Em qualquer situação onde haja divergências ou erros nas avaliações iniciais, a reanálise permite uma nova verificação dos resultados, reduzindo a possibilidade de equívocos que possam prejudicar a empresa fiscalizada. Se o processo administrativo se baseia em um único resultado, sem permitir contestação, abre-se espaço para falhas que podem resultar em sanções indevidas.
Além disso, o conceito de due process — ou processo legal —, aplicado tanto ao direito administrativo quanto ao judicial, exige que todas as partes tenham igualdade de armas na produção e contestação de provas. A reanálise oferece à empresa fiscalizada a oportunidade de comprovar tecnicamente a qualidade de suas sementes, corrigindo eventuais discrepâncias que possam ter surgido na primeira análise.
A Portaria MAPA nº 538/2022 e os Limites Legais
Embora o artigo 112 da Portaria MAPA nº 538/2022 estabeleça uma tolerância de 20% para o Peso de Mil Sementes e afirme que não há possibilidade de reanálise, essa restrição administrativa não pode ser interpretada de forma absoluta. Qualquer norma infralegal, como uma portaria, deve ser analisada em conformidade com os princípios e garantias constitucionais, especialmente quando envolve direitos fundamentais, como o direito de defesa.
A vedação à reanálise, sem uma justificativa técnica robusta, pode ser considerada desproporcional e arbitrária. Isso porque não se apresenta como uma medida estritamente necessária para o bom andamento do processo administrativo, mas sim como uma limitação ao direito de a parte produzir novas provas em sua defesa. A ausência de reanálise também compromete a segurança jurídica, pois retira do administrado a oportunidade de garantir que todos os dados relevantes foram corretamente analisados.
A Aplicação dos Princípios da Legalidade e da Proporcionalidade
A Administração Pública está sujeita ao princípio da legalidade, que exige que seus atos sejam fundamentados na lei. A restrição à reanálise de um atributo técnico não pode ser vista como uma exceção a este princípio, sobretudo quando impacta diretamente o direito de defesa.
Além disso, o princípio da proporcionalidade impõe que qualquer limitação ao direito de defesa seja adequada, necessária e proporcional. A negativa da reanálise, sem uma justificativa técnica clara, não se mostra proporcional, pois compromete o equilíbrio do processo e pode gerar decisões administrativas injustas ou imprecisas.
CONCLUSÃO
A alegação de impossibilidade de reanálise do Peso de Mil Sementes, conforme o artigo 112 da Portaria MAPA nº 538/2022, deve ser reinterpretada à luz dos princípios constitucionais que regem o processo administrativo, especialmente o direito à ampla defesa e ao contraditório. O cerceamento desse direito prejudica a transparência, a justiça e a segurança jurídica do processo, além de enfraquecer a confiança dos fiscalizados no sistema regulatório. Em qualquer processo administrativo, o direito à reanálise técnica deve ser garantido, a fim de assegurar que as partes possam contestar adequadamente os resultados, produzindo provas que sustentem suas alegações e garantindo que o processo seja conduzido de maneira justa e equilibrada.Felipe Di Benedetto Jr.