A legislação brasileira referente à produção, beneficiamento e comercialização de sementes é um campo complexo e especializado. Embora haja uma estrutura normativa bem definida, incluindo a Lei nº 10.711/2003 e o Decreto nº 10.583/2020, frequentemente encontramos dificuldades em sua aplicação prática, especialmente quando o Poder Judiciário se depara com litígios envolvendo este setor.
Definição e Normas Básicas
O Decreto nº. 10.586/20, em seu Art. 3º, inciso XXIX, define a mistura de sementes como a junção, em um mesmo lote, de sementes de diferentes espécies, cultivares ou ambas. É imprescindível que cada um dos componentes dessa mistura esteja devidamente inscrito no Registro Nacional de Cultivares (RNC). Além disso, o Art. 42 do mesmo Decreto estabelece que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) é o órgão responsável por disciplinar as atividades de mistura e reembalagem de sementes, o que inclui a criação de normas complementares.
Requisitos para a Realização da Mistura
Segundo a Portaria MAPA nº. 538/22, a mistura de sementes pode ser realizada tanto por produtores que produzem todos os componentes da mistura quanto por reembaladores que adquiram componentes de terceiros (Art. 137). No caso de produtores que utilizem sementes adquiridas de terceiros, é necessário que também estejam inscritos no Registro Nacional de Sementes e Mudas (Renasem) como reembaladores.
A mistura deve ser composta por sementes oriundas de lotes previamente produzidos e aprovados individualmente, sempre respeitando os padrões estabelecidos pelo MAPA (Art. 138). Isso assegura que a qualidade e a conformidade das sementes sejam mantidas, independentemente de sua origem.
Padrões de Qualidade e Identificação
Um dos aspectos centrais regulados pela Portaria MAPA nº. 538/22 refere-se aos padrões de qualidade que devem ser garantidos na mistura de sementes. O produtor ou reembalador é obrigado a assegurar que cada componente da mistura atenda, no mínimo, aos padrões nacionais de germinação ou viabilidade estabelecidos pelo MAPA (Art. 139, I). Além disso, devem ser garantidos a proporção correta dos componentes na porção de sementes puras e a pureza global padrão do lote misturado (Art. 139, II e III).
A pureza global padrão é calculada pela média ponderada dos padrões de pureza de cada componente, em função de suas respectivas participações percentuais no peso total. No entanto, o produtor ou reembalador pode optar por garantir índices de germinação ou viabilidade superiores aos padrões nacionais, desde que baseados em análises precisas (Art. 139, § 3º).
Identificação e Documentação
A Portaria MAPA nº. 538/22 também detalha as exigências para a identificação e documentação dos lotes de mistura de sementes. A identificação deve seguir a ordem de preponderância de cada espécie ou cultivar, conforme sua participação percentual na porção de sementes puras (Art. 143, I). Devem ser indicadas claramente informações como a pureza global, a safra de cada componente, a germinação ou viabilidade, e a validade do teste de germinação (Art. 143, III).
A mistura de sementes que envolva espécies de difícil distinção entre si ou cultivares da mesma espécie deve incluir a coloração dos componentes para permitir a diferenciação (Art. 142). Isso é essencial para evitar confusões no campo e garantir que cada espécie ou cultivar seja plantada nas condições mais adequadas para seu desenvolvimento.
Proibições e Sanções
É importante ressaltar que a produção, reembalagem ou comercialização de misturas de sementes em desacordo com as normas estabelecidas constitui uma infração de natureza grave, conforme previsto no Art. 138, inciso IX, do Decreto nº. 10.586/20. Isso inclui a utilização de sementes não inscritas no RNC ou a formação de lotes de sementes reembaladas a partir de mais de um lote, salvo exceções previstas para misturas (Art. 79 da Portaria MAPA nº. 538/22).
CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÃO
A mistura de sementes é uma prática que exige grande cuidado e rigor técnico, não apenas para garantir a qualidade das sementes comercializadas, mas também para cumprir com as exigências legais estabelecidas pelo Decreto nº. 10.586/20 e pela Portaria MAPA nº. 538/22. A conformidade com esses regulamentos é fundamental para assegurar que os agricultores recebam produtos de alta qualidade e que o setor de sementes opere dentro dos parâmetros legais, evitando penalidades e sanções. Este artigo oferece uma visão abrangente dos principais aspectos legais e regulatórios que envolvem a mistura de sementes no Brasil, fornecendo subsídios para que produtores, reembaladores e demais agentes do setor possam atuar de forma segura e em conformidade com a legislação vigente.Felipe Di Benedetto Jr.